sábado, 22 de dezembro de 2012

nevoeiro

o nevoeiro, um consolo
pode ser ou não ser
pode

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

uma razão

Esplanada na Pollux.
- Já percebi porque é que o Philip Roth não ganha o Nobel.
- Então, diz lá.
- Entendi o encanto supremo da poesia do Ruy Belo.
- Conta, conta.
- estou a recolher dados para provar a minha teoria.
- diz lá.
- há sempre uma razão, mesmo que possa ser parva.

ir

vai emigrar da sua vida

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

fumo

Josefina voltou a pensar nele. Nada é mais forte que o pensamento

loop

nos dias compridos, os pensamentos ficam presos
a dois ou três pontos chave
e repetem-se
nos dias comprimidos
deseja-se um fim
rápido sem intervalos
nos dias compridos
queremos exactamente o contrário
do que temos
um chá picante
um gelado derretido

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

princesas e princesas

A minha sobrinha foi ver a Companhia Nacional de Bailado três dias antes de mim. O meu sobrinho, três anos, também através da escola, viu "A Bela Adormecida" esta semana. A minha sobrinha falou da leveza dos bailarinos e da aparição, a certa altura, da bruxa má, vestida de vermelho. Imitou-a a lançar o feitiço. Ele viu princesas e princesas a saltar e a girar, a andar à volta, nas palavras dele. E gostou. Ficou sério ao dizê-lo. Havia sinal de respeito naquela afirmação. Ela interrompeu a conversa para dar nota do que a tinha comovido. A dada altura, uma bailarina desequilibrou-se. Na descrição dela, uma queda aparatosa. Foi rápida a levantar-se e prosseguiu, mas tinha caído. Maria ainda não se recompôs.

palpitações

quando estamos atrapalhados, somos todos meninos

domingo, 16 de dezembro de 2012

risca

A minha gata chamava-se risca
e era muito chata
Não me largava
Assim que punha os pés em casa da minha avó,
passava, basicamente, o tempo a fugir dela
Era mais manhosa que os gatos dos outros
Tinha esperteza de cão
nem sempre era fácil enganá-la
um dia, ladrou-me


a, b ou c

Durante 15 dias, comunicaram por opções. O jogo era divertido: a, b ou c. Até surgir d: jantar. Dulce teria preferido uma tasca de tamanho reduzido. Mas chovia que deus a dava. Dava jeito ser em casa. A casa não deixa entrar água. Josefina telefonou a uma amiga para lhe contar a aventura em que se ia meter e, o mais importante, o endereço da casa do Joseph. Bairro Santa Catarina. "Aponta, não confio na tua fraca memória". Se desaparecesse do mapa, chegariam facilmente ao assassino, chegou a dizer-lhe. Neste momento já se riam. Não havia motivos para grandes preocupações, Joseph era delicado e meigo. Não fazia mal a uma aranha. Mais atencioso ao vivo do que online. Josefina, porém, tinha esse hábito antigo de dizer sempre a alguém para onde ia. Há sempre alguém que sabe onde ela está.

amor

transformou-se na imagem dos olhos dele. muito mais bonita. inteira

cheiro a café

um garfo atravessado no pescoço
quis tirá-lo à força
não conseguiu
concentrou-se para abafar
a dor
conseguiu
pensou nas manhãs
quando se enfiava
na cama do avô
enquanto a avó fazia
o pequeno almoço
ficavam frente a frente
no quentinho dos lençóis
com as mãos juntas esticadas
tosta mista
debaixo da face
a dizer disparates
a inventar piadas

torneira

Foi à cozinha
beber um copo de água
e saltaram chamas do lava louças
vinham do ralo
deu um salto para trás
e um salto para a frente
para fechar a torneira
ficou pálida
assim que abria a torneira
voltavam as chamas
sonhou
foi à cozinha
beber um copo de água
e bebeu um copo de leite

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

na palma da mão

Josefina escreveu duas frases distintas em cada uma das palmas da mão e pediu-lhe para escolher: direita ou esquerda? Ele disse esquerda. Josefina virou o punho e abriu os dedos devagar. As pálpebras dele caíram. oh. Ela agarrou-se a ele. Sem reagir, ele manteve os braços quedos. "Ainda não sei".

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

baldes


o pai de uma amiga 
quis suas cinzas espalhadas
pela praia
assim foi, planaram e caíram
esqueceu-se da infância
das férias e da gritaria
entre primos
a areia pertence
aos bolos das crianças

algodão

Fui ver o mar
fui saber de mim
diante dele olhamos para trás
por dentro da retina
vemos quem somos
como nenhum outro espelho mostra
entorpecemos
ficamos em roupa interior
gasta pelo tempo


domingo, 9 de dezembro de 2012

culpa

deixou de se culpar. Foi um avanço gigante.

almoço

- vamos almoçar?
- duas sugestões.
- vamos almoçar a dois sítios?
- ahaha. De enfiada, se quiseres.
- ok. É a primeira vez.

teclar

Teclar
teclar
foi assim o dia todo
doem-me as pontas dos dedos
estou cansada
tac, tac, tac
abafado
não páro enquanto
não terminar
vai mudar o ritmo
dos dias
ficar mais acelerado pelas manhãs
pouco importa
andava lenta, a passo de caracol
ainda bem que não desisti
não me distraí
continuei
continuei
a teclar
teclar
estou indo

um ponto

Corria, desviava-se agilmente das pessoas à sua frente, e corria, sem parar. Depois dos degraus, na plataforma de cima, a vista. Os comboios que se aproximavam e ganhavam tamanho e os que partiam e perdiam. Ficava a vê-los desaparecerem num ponto. Entretanto, ouviu o seu nome e voltou. Fez o caminho inverso. O avô esperava-a. Não se zangava. Confiava. Voltava direitinha. A estação da Pampilhosa era assim na sua infância. Muito movimentada. Uma cidade de linhas férreas, onde se cruzavam centenas de desconhecidos e ouvia de cinco em cinco minutos informações de chegadas e partidas. Todos partiam.

o meu primeiro diário

Os emails permitem esse exercício fantástico que é mandar mensagens para nós próprios em meio segundo. Eu cá mando de tudo. Dicas de livros, músicas, álbuns, ideias para artigos, versos desgarrados, receitas, declarações de amor, conselhos de amigos, ruas a descobrir, coisas a evitar. Foi aí que dei por mim a pensar que estava a fazer dos emails que envio para mim própria uma espécie de diário, ainda que desorganizado, substituição de uma agenda de papel, que também tenho, igualmente repleta de rabiscos indecifráveis. Foi aí que decidi que vou oferecer diários às minhas sobrinhas. Vou encaderná-los e arranjar separadores para os capítulos aqui descritos. Obra caseira. Papéis lindos. Também tive os meus diários, um atrás do outro, quando era miúda. Não escrevia grandes prosas, um, dois parágrafos, fazia desenhos, colava recortes e dava-lhe legendas, guardava lembranças, sinais de interesses amorosos, mas lembro-me de olhar para eles e de achar que estava diante da caixa dos meus pensamentos mais preciosos. 





Pássaros

Há quem goste de animais como se fossem pessoas. De pessoas como se fossem objectos. De objectos como se fossem animais. E quem não saiba tratar de plantas. Devem ser abanadas para facilitar o processo de fotossíntese? Assim faço. Faço-o há muito tempo. Abro a janela e a cortina para que possam receber banhos de sol nos dias luminosos e abano as suas folhas e ramos de vez em quando. Mas não sei onde fui buscar a ideia. Pensando bem, saltou do mesmo sítio da dos apreciadores de aves. Quem gosta muito de pássaros, tem desejos acima da média.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

se cá nevasse

tenho saudades da neve
de lhe tocar, fazer bolas
de a ver desfazer a seguir
do frio firme que a acompanha.
das palmas das mãos a racharem
de conseguir ter certezas:
se estou quente no peito,
estou viva da silva.
A luz dos raios de sol reflectida na neve
enche-me de futuro.
Tenho saudades do que é raro.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

emails

- Escreveste-me pela primeira vez um email além do subject.
- não tinha reparado nisso. desculpa.
- foi preciso mandar-te um poema.
- pois foi.

ego grande, ego pequeno

Quando alguém de ego grande encontra alguém de ego pequeno é uma desgraça. Um engole o outro. Se alguém de ego médio encontra alguém de ego médio, entediam-se. Um ego grande nunca se interessa por um ego maior do que o seu. Um ego pequeno está sempre com medo de se deixar levar por um ego mínimo. Na luta de egos, aconselha-se discussão. Quanto mais viva for, mais perto ficam um do outro.

braços

Josefina tem fixação por braços. Uns braços bonitos são uma ponte. E atravessar pontes sempre foi a melhor parte das viagens longas de carro que fazia em família. Avisavam-na: "Vem lá uma ponte". Preparava-se para o momento. Abria até meio a janela do automóvel, inclinava a cabeça para a direita e deixava-se ficar. Foi assim enquanto vivia com os pais. Depois, depois, cresceu e substituiu as pontes por braços.

invisível

Chega a casa, abre a janela. Substitui os cigarros por um copo de vinho. Pega no copo. A música começa a tocar. Um embalo calmo. Simone abana-se e fecha os olhos. Viaja até ao pequeno almoço do outro dia. Esplanada da Senhora do Monte, na Graça. Estava frio, o nariz congelou e pingou. Ele falou sem parar. 80% contra 20%. Passou o tempo a limpar o nariz. Ouviu, ouviu. Simone esteve mais uma vez invisível. Só não é invisível quando chega a casa.

perfeitos

-Tem amores perfeitos?
- só amarelos.
- Hum, dessa cor não gosto.
de outra vez, nova florista.
- Tem amores perfeitos?
- estão esgotados, menina.
- desde quando?
- setembro. agora não se vendem.
- posso fazer uma encomenda?
- claro, passe na próxima semana.
na quinta-feira seguinte.
- já chegaram os amores perfeitos?
- vieram, têm duas cores.
-oh, deixe-me ver.
- então?
- de duas cores, nem pensar.
30 dias depois
- a da bicicleta não ficou de ir buscar os amores perfeitos?
(esqueci-me dos amores perfeitos na Almirante Reis)