domingo, 2 de maio de 2010

Mandar à fava

Maria Cristina é filha de pais divorciados. Ainda hoje quando ouve gritos - tinha oito anos quando estes resolveram pôr cobro à vida em comum - fica perturbada. Não gosta. Em sua casa, fala-se baixo. Prefere o computador à televisão, também por causa do silêncio do Mac. A sua maior fantasia sexual é seduzirem-na enquanto lê um livro. Maria Cristina não consegue ter um namorado por muto tempo. Josefa teve influência contrária. Os pais eram um pouco hippies e sempre se deram bem. Notava-se que a ternura prevalecia nos momentos mais difíceis. O exemplo era positivo. O olhar embevecido que uma vez ou outra viu da mãe para o pai ou no sentido inverso era claro. Não foram feitos um para o outro, não era isso, ninguém o é, mas ficavam muito bem juntos. Bem, Josefa não consegue ter uma relação que avance além dos seis meses, pois o seu patamar de exigência é muito elevado. Dulce, por seu lado, cresceu com os avós maternos. E as suas relações são sempre curtas. Por causa deles. Eles perdem a paciência. É uma mimada. Luísa foi educada por uma tia e está a preparar o discurso para mandar o Tiago à fava. Simplesmente, está farta de se fazer passar por parva.

Bendita traição

Era a apologia da traição. Estava um frio difícil de suportar. As mãos foram parar ao rabito. Ao servirem de almofada, conseguiam manter-se quentes. De resto, a luz na esplanada estava óptima. Brilhante. Bem, voltando à traição, Júlia estava mesmo convencida de que a chave para os seus problemas foi aquela facadinha no namoro de três anos. "Fez-me ver o quão desequilibrada e cómoda era aquela relação. Uma traição é uma prova de fogo. Ou ficas ou vais embora". Ouvia caladinha, enquanto tentava que o frio não me desconcentrasse. Prosseguiu: "Foi óptimo. Em primeiro lugar estão os sentimentos, com tudo o que de misterioso e estranho que às vezes trazem agarrado. Assim fiz. Valeu a pena". E culpa, a sensação de culpa?. Respondeu ela: "Senti-me livre, por causa daquela coragem". Fez-se um silêncio. "Sim, e correu tudo bem". E então? "Fiquei com o Zé". Atirei: "Não tiveste coragem de deixar tudo para trás e tentar com o Pedro?". "Não gostei o suficiente dele para isso; há ali qualquer coisa que não bate certo. Não te sei dizer o que é. Mas quando cheguei a casa, agarrei-me ao Zé, anichei-me nele, e contei-lhe". Contaste? "Contei sem proferir uma palavra, disse-o mentalmente". Fechei o capítulo apenas com a frase audível:"Vou ficar contigo pelo menos até ao Natal". Ele riu-se e eu pulei na cama.