quinta-feira, 15 de maio de 2008

Dona slow

Um slow tem o poder de nos fazer cair nos braços de alguém. Empurra-nos. É verdade. Na adolescência, nas festas de garagem, as minhas amigas esperavam ansiosamente pela pausa para a cerveja e para... os slows. Eu não era diferente. Falava-se pouco, mas percebiam-se pormenores naturais. Alguns rapazes eram logo eliminados pela selecção natural do slow: se não encaixavam num ou noutro pormenor, além da altura, já explico porquê, interrompia-se a dança. Havia sempre desculpas. Rodava-se de braços em braços até acertar. Era giro de ver. Eu, normalmente, já sabia com quem queria dançar os slows. E entre as surpresas que tive, lembro-me da do Filipe alto. À partida, aquela dupla tinha tudo para não funcionar. Um metro e noventa não é o mais adequado para 1,70. Afinal, 20 centímetros nos separavam da forma de ver Mundo. Mas o Filipe resolvia tudo só para me agradar. No primeiro slow que dançamos, puxou-me para cima e fez-me ficar sem os pés no chão. Foi tão atabalhodo quanto divertido. Dancei, depois, muitos outros a ouvir-lhe a batida do coração, que não era lá muito certa, diga-se. No último slow que dançamos já lhe senti a barriga. Fazia barulhos. Foi no casamento dele.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Dançar

Notei uns sinais de interesse quando estavamos na mala do carro. É verdade. Mal nos conhecíamos e tivemos de partilhar espaço no 'comercial' do Rui. Ele segurava-se para não cair. Não estava à-vontade. Eu seguia cada gesto. Antes da viagem, também tinha havido uma ligação suspeita, por causa de uma frase que ele disse. Foi aquele raciocínio que deu início à história de amor. Antes disso não havia nada. Ele não existia para ela. O que ele disse, afinal, era que não trocava os seus domingos tristes por nada. Precisava deles, para se sentir coerente, menos capitalista, menos fútil, menos palerma, mais estúpido, mais humilde, mais medroso, mais racional. Deduziu ela. Na segunda, era melhor voltar a dançar.

Graffiti

Encontravam-se no bar inglês, no Cais do Sodré. Começavam por falar a cinco à hora, pausadamente. Numa tarde, ficaram ali retidos até o rabo doer. Tinham sempre conversa. Assunto puxava assunto. Eram férteis em palavras, ideias. Naquele microcosmos funcionavam bem. Frente a frente funcionavam bem. Na rua, pelo contrário, funcionavam mal. Ele andava mais acelerado que ela. Felismina tinha de dar uns pulinhos para o acompanhar. Em andamento, Artur falava mais baixo e com a banda sonora da cidade, tornava-se difícil ouvi-lo como deve ser. Era um desgaste passear com ele. Beijá-lo, então, uma trapalhada. Longe de paredes, ele não conseguia concentrar-se. Ela começou então a encostá-lo às paredes quando não lhe apetecia esperar. No início, fizeram muitos prédios e muros de graffiti.

domingo, 11 de maio de 2008

Viciada

Não podia ir ter com a Rita, Joana, Sónia e Mário. Tinha de ir à piscina. "Vou lá cinco minutos e volto outra", chegou a dizer. Estava viciada. Nem os dias de ressaca a impediam de rumar até lá. A coisa ficou de tal maneira que já não conseguia dormir profundamente se não tivesse ido dar umas braçadas. Nos outros dias, lutava contra as insónias e quase nunca ganhava. Perdia. Derrotada, inventava tragédias, o que de pior lhe podia acontecer. Enfim, foi ganhando umas pernas torneadas, uns braços firmes e um peito redondo. Agora só faltava arranjar alguém a quem mostrar a escultura. Mas havia um problema. À medida que ia ficando em forma, parecia estar mais autista. Foi Josefina quem lhe chamou a atenção para o que se estava a passar. Disse-lhe apenas:"Oh Margarida ainda ficas com um rabo de peixe".