sábado, 19 de junho de 2010

That´s life

Na tentativa de encontrar o helicóptero, o miúdo levantou a cabeça (ouvia-se o barulho do aparelho a aproximar-se). De seguida, atirou um beijo para o ar e disse:"Adeus Saramago. É a vida!". A irmã que o levava pela mão deu-lhe uma esticadela e apertou-lhe a mão. Eu estava mesmo ao pé, ou à beirinha como dizem lá em cima. Tinha sete, no máximo oito anos e pouco deve saber da obra e muito menos do homem. Mas disse aquilo. Quando liguei a televisão e vi a chegada do corpo embrulhado no caixão, a cena com o gesto do miúdo impôs-se. Como me disseram no outro dia: as pequenas coisas são as que importam, as grandes são para toda a gente.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O triângulo amoroso

Mário apareceu saltitante na caixa do Multibanco. Cumprimentou a Mafalda e começaram logo a falar interrompendo-se pelo meio um ao outro. Observação número um: eram muitos palradores. Conversaram sobre o Jazz ao centro, em Coimbra, da digressão dele pelos Estados Unidos. Enfim, falaram, falaram. Até se balançaram um pouco quando recordaram a ida a Évora. A viagem foi animada, com o carro cheio de gente e os cds do Hugo de música indie. Rita ouvia atentamente. Entretanto, um grupo de três pessoas aproximou-se e uma delas barafustou: "Mas vão ao multibanco ou só estão a conversar?". A resposta do Mário foi certeira: "Não vamos a lado nenhum".

Cartas com números

"Hoje em dia, abre-se a caixa do correio e só se encontram contas para pagar. Cartas de amor, as ridículas, as especiais que nos faziam subir às nuvens em três segundos, são raras. Pode-se usar a net, é certo, mas não é a mesma coisa. Para uns, pode haver aqui uma evolução. Afinal, no mesmo instante sei que a outra pessoa está a ler o que eu escrevi. A tensão em tempo real, bem explorada, tem um potencial gigantesco", dizia a Ana. "Já me passei com o Zé assim", reagiu prontamente a Dulce. "Ninguém quer saber da tua vida íntima", atirou Maria. Bem dispostas, continuaram a conversa no andar de cima do Bica-me. "Haverá ainda muito por fazer neste domínio. Afinal, ali damos sinal de que estamos vivos para alguém. Os que seleccionam criteriosamente os amigos no facebook ou no gtalk conseguem ter ali uma vida social dupla, ou fortalecer a real, fraquinha que anda pela falta de tempo", prosseguiu a Ana. O mote da conversa tinha sido dado pela Laura. Laura tinha recebido uma carta manuscrita do seu ex-namorado Luís. "Foi uma pena que viesse tarde", começou por contar ela. "Estava a gostar de estar com ele, mas ele ainda não se tinha libertado da ex-namorada e trocou o meu nome pelo dela três vezes". Depois, contou ainda, por azar, a ex-namorada tinha o nome da sua chefe. "Havia muito eco"