sexta-feira, 20 de setembro de 2019

muletas

vou andando
com muletas

grito

As vezes tenho um verso preso na garganta
como se fosse um grito
uma massa que se enrola
em espiral, sem parar
Quando não arranjo maneira
de o deitar fora
Degrada-se e encolhe-se
Encolhe-se e degrada-se
Que nem bolo que abate
quando retirado do bolo
antes do tempo
o tempo
Como gostava
de não ter de gritar para dentro

parti o pé

Sinto falta do colo da minha filha

sorte a minha

tenho três orelhas
mas poucos sabem disso
duas pessoas
descobri anteontem
finalmente
a terceira é pequenina
e está escondida
mal se dá por ela
mal se ouve
perdida entre o pescoço
e a nuca

tenho três orelhas
e ouço sempre os pássaros

torradas

voltei,
voltei porque gosto de voltar
voltar implica começar de novo
casa de partida
jogo de tabuleiro
deixar nascer uma oportunidade
voltar acontecerá sempre
numa limpa manhã de pleno céu azul
numa manhã fresca, ligeiramente ventosa
de ar respirável, bom
uma manhã com poucos carros na estrada
e torradas em cima da mesa