terça-feira, 25 de dezembro de 2007

A bela adormecida

A melhor prenda de Natal foi ouvir a Laurinha dizer sempre que desfazia um embrulho: "Era mesmo isto que eu queria!". Depois do esforço em modo trapalhão para retirar o laço que estrangulava o presente e de rasgar o papel sem direcção, dizia, enquanto pousava os olhos em alguém: "Era mesmo isto que eu queria". Até as meias aos losângulos que não pediu ao Pai Natal, oferecidas pela Arminda de 88 anos, lhe mereceram reacção idêntica. O livro de lombada grossa, de muitas letras, que só poderá ler lá para 15 anos foi abraçado. Enfim. Não parou. Foi difícil convencê-la a deitar-se na noite de 24. Quando a mãe se despediu dela na cama, esta desabafou que tinha recebido tudo, tudo o que queria. O Pai Natal tinha sido muito seu amigo. Mas no dia 25, Laurinha estava outra. Rabugenta, choramingas. Queria dormir mais. Saltou de uma cama para outra e a mãe teve de andar atrás dela, enquanto lhe dizia que o velhote cabeça de vento tinha deixado mais prendas na casa da outra avó. Laurinha não se rendeu facilmente. A tia compreendia-a muito bem. Se tivesse tido exactamente tudo o que queria numa noite, não quereria acordar.

domingo, 16 de dezembro de 2007

À sua maneira

Passava de autocarro quando reparou num peão que tinha um rosto familiar. Era o João: mais largo, é certo, com um charuto na boca que segurava sem mãos – sempre gostou de ser excêntrico e praticava-o. Foi o suficiente para a fazer lembrar do que tinha acontecido. Ele esteve com Josefa sem reparar bem nela. Ela cedo viu isso. É tão importante que gostem de nós de uma forma que nos agrade. Esse é o segredo para a longevidade das relações, pensou em sistema de piloto automático, sem usar as regras lógicas do amigo Aristóteles, que tanta dor de cabeça lhe deu na faculdade. É por isso que há quem se vicie e depois não consiga deixar para trás relações com quem os admira. O rabo saltou do banco. A travagem do autocarro interrompeu o devaneio. No caso do João, ele achava Josefa inteligente, boa companhia, estimulante intelectualmente e sexy. Mas tudo isso à sua maneira. Josefa preferiu o Nuno, que via nela uma menina inquieta que acalmava com poesia.

Fim-de-semana

Estava numa semana perdida à partida. Terça-feira foi pior que segunda, quarta, pior que terça, e por aí adiante. Nada a fazia mover um dedo mais do que o previsto. Tomar banho foi complicado. Cada ensaboadela parecia um degrau alto a subir. Não gostou do café. As calças romperam-se quando as vestiu. O cabelo não ficava bem de maneira nenhuma: nem apanhado nem solto. Mantinha-se a falta de informação sobre o Roger. Parecia viver o contrário do início. No princípio, havia excesso de informação. Não a largava: por mail, msn, telemóvel, correio tradicional. O postal que lhe mandou um dia ficará na caixa do very importante for ten years. Dizia: Só liguei para te dizer que te amo. Era a gozar. A referência era óbvia. Quando tinha dúvidas, ouvia a música. Agora: nada. Carolina estava à beira de um esgotamento amoroso. Não sabia o que se tinha passado. A última vez que estiveram juntos, ele disse-lhe que tinha gostado muito de passar o fim-de-semana com o Xavier. O olhar ficou finamente terno quando o disse. Carolina passou o fim-de-semana com a Clara. Viram DVDs e fizeram o blog. Será que escreveram alguma coisa desagradável?