sexta-feira, 27 de setembro de 2013

mapa

desenhaste um mapa tão pequenino. mundo de escassas portas e fronteiras. nos meus países falam-se línguas variadas mas toda a gente se entende. as palavras são mais um meio. os olhares estão primeiro.

dança

disseste-me para ver como uma horta e aí percebi tudo. Tinha vegetais, legumes, de todas as cores e feitios, alguns verdes, verdes, de tão bonitos nem apeteciam arrancar para comer. de lado, plantas, muitas. altas e de folha fina e depois outras de caules e folhas expressivas, como se estivessem num bailado. que abertura de braços e mãos. Linhas quase perfeitas. Não havia flores. as flores morrem depressa.

antes e depois

antes de falares, estavas bloqueado. Nem te mexias. A expressão do rosto fechada. Tinhas um poço dentro da tua cabeça. e não tinhas forças para trepar as paredes, velhas e gastas, escorregadias e perigosas. a imobilidade. O medo apoderou-se de ti e não eras humano. Tinhas ficado um animal. Apenas não tinhas conseguido ser feroz.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

força

rasguei-lhe a camisola intencionalmente. ele não gostava dela mas continuava a usá-la sempre que a restante roupa estava suja, já no interior da máquina de lavar. ele agradeceu. faltava-lhe coragem para cortar com o passado. tinha de ser à força, empurrado por outrém. E já estava.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

um dia

tinha sido educada para não dizer o que pensava. dizia, com delicadeza, o que não feriria os outros. ou então dava a volta e criava um texto ao lado do que pensava, para não o dizer directamente, dizendo-o. Na sua cabeça, um só pensamento encaixava em vários níveis de expressões verbais. Já para não falar da parte física. Sempre disse coisas com o corpo, a sua tradução mais transparente, como se o todo nunca se conseguisse libertar da parte. Posto isto, o desgaste, o acumular de frases sobre o mesmo, de linhas e escadas sobre o chão de terra dura. Uma canseira. Até que um dia.

domingo, 15 de setembro de 2013

limites

dobrou o papel até ao fim das possibilidades. ficou pequeno, mínimo. depois, fez exactamente o contrário. cresceu, esticou-o. puxou-o com a ponta dos dedos. espalmou-o para lhe tirar o amarrotado. era uma folha A5. tinha sido um rectângulo de dois centímetros. era capaz de mais. tinha ficado com as mãos.

tesourada

- espero que sejam mais felizes do que parecem. Que entre quatro paredes falem olhando-se olho no olho e se vejam nus como se fossem abençoados pela natureza.
- serão igualmente tristes?
- é provável.
- Estão separados estando juntos.

domingo, 8 de setembro de 2013

pouca coisa

Que fazer à saudade infinita do que não se pode voltar a ter?

muro

Pulou o muro e foi espreitar a casa escondida. O muro estava a pedi-las. Ali em frente, sempre a olhar para ela quando por ali passava. Pulou o muro e viu de imediato a sala de estar. Era envidraçada, de alto a baixo. A decoração era simples. Cores neutras. Um vaso grande de onde saía uma planta que mais parecia uma árvore. A casa estava vazia. Ouvia-se silêncio. Edward Hopper. Bauhaus. Mente contente. Pulou o muro.

melancia

Se não vieres, passo para plano B. Vou ao cinema, como uma melancia inteira, e falo das grandes, tamanho XXL, mando mensagens a todos os amigos e amigas que não vejo há mais de um mês. O que mais graça tiver na resposta, ganha um bolo de laranja e canela a sair do forno. Se vieres, mostro te aquela fotografia.

domingo, 1 de setembro de 2013

se vieres

cá estou eu a deitar baldes de palavras fora
hoje o balde é amarelo torrado
tem asa cinzenta
no interior, água límpida
e parece menos pesado do que é costume
a leveza da certeza

não saber

perseguiu a ideia do progresso
perseguiu a ideia do amor
afinal, não são o que disseram
são outras ruas
estreitas
a meio da montanha

natureza

depois da esquina, começou a correr
ouvia o barulho dos seus pés no chão
sentia o vento na cara
as orelhas a encolher
na cabeça, latejava uma ideia
o tempo é maior invenção
ai se o apanhasse