domingo, 26 de dezembro de 2010

Helicóptero

Tinha passado mil vezes naquela rua. Rua acima, rua abaixo. Há anos que o fazia. Nunca a tinha visto. Naquela tarde viu-a. A loja era discreta e a porta mal se via. Um helicóptero na montra chamou-lhe a atenção. Entrou. Lá dentro, as prateleiras apresentavam aviões, helicópteros, iates, "um barco do amor", como o da série dos anos oitenta, automóveis. Todos eles funcionavam. O vendedor explicou-lhe: "É uma loja de brinquedos para adultos". Começou então um novo filme dentro do anterior. "Não me posso queixar da crise. Um cliente novo volta sempre". No outro dia, contou, um senhor de uma só vez comprou 20 exemplares de carros, motas e aviões. Tinha tido um incêndio na garagem e antes de pensar nas obras a fazer, veio a correr à loja para reaver os seus modelos de eleição. "Como se pode explicar tal incoerência?", perguntei. "Vou mostrar-lhe", disse. Agarrou no helicóptero e em dois minutos colocou-o a voar. O aparelho parecia real. Levantou voo como fazem os que não são para brincar. As duas pessoas que chegaram entretanto também se calaram. Fez-se silêncio. Todos se focaram nas hélices. Ele já estava fora do chão. Todos nós ficámos com os pés fora do chão. "Está a ver, quando se olha para um helicóptero em voo não se pensa em mais nada. Os adultos precisam disso".

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