segunda-feira, 7 de abril de 2008

Um bilhete

"Se o que eu quero não me dás, se o que te dou não chega, ou voltamos ao princípio, ou esquecemos o que queremos". Foi com um bilhete deixado no carro que ele resumiu o que se passava. Francisco sofria, afinal. Alice não sabia. Achava que disfarçava o seu mal estar até um dia. Vamos lá arrastar isto até ao trambolhão, disse à amiga Josefa, a quem desabafa estas coisas. Ela percebia-a melhor do que qualquer outra pessoa. Só ela, pelo menos, se concentrava realmente no que ela dizia. Parecia às vezes um exercício para decifrar incoerências. Alice era esperta, rápida de raciocínio, mas tinha um defeito que é muito vulgar: ver sempre o que se passa apenas à sua maneira. Outra versão da história parecia-lhe um disparate. Era teimosa. E vivia inquieta por fazer sempre o mesmo caminho, apesar de nada fazer para o alterar. Josefa fez-lhe ver que ela não mudava de corte por ter medo de descobrir outra pessoa até aí escondida entre cabelos longos e lisos. Que ela gostava de se fazer desentendida para se servir do conhecimento que tinha como uma arma. Que era muito orgulhosa, sim, mesmo muito. Jamais diria ao avô que não tinha aquele namorado fantástico que a estava sempre a gabar. O avô achava que não poderia ser de outra maneira. De tanto inventar à volta do namorado que ela ou o avô queriam ter, Francisco tornou-se cada vez mais uma metáfora.

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