segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O mistério da torrada

"Porque não me contaste que afinal ela tem um fundo mau?" Fechando um pouco os olhos e abanando a cabeça, Josefina disse-lhe: "Toda a gente sabe, não há quem não tope". "Mas tu tens factos, é diferente", respondeu Dulce. Josefina disse-lhe que há assuntos que só conta uma vez. Precisa de dizer, deitar para fora, mas, feito isso, não consegue repetir a história. E mais: as temáticas têm amigos determinados. Alguns só a ouvem falar de trabalho. Há um único a quem consegue falar de sexo sem ser de forma abstracta e indo além das massagens. Do que mais a perturba e inquieta dá sinais à Catarina. Para o romance que ainda só corre na sua cabeça, escolhe o João, o mais inteligente e inseguro dos amigos. Tem sempre uma história mais complexa do que a sua. Lazer, beleza e estilo de vida é com a Marta. "Senão estás bem, põe-te bem". As questões profissionais exigem uma conversa a sós com a Paula: mais assertiva e justa é difícil. "Enfim", disse então, "se quiserem contar a minha história terão de falar com uma dúzia de pessoas. É nelas que deixo o meu diário". Pegou então na parte da torrada que sobrava e atirou-a à parede. Estavam na esplanada do café Royal, onde há alguma privacidade para isso. Dulce ficou espantada: "Então, estás a passar-te!" Josefina riu-se: "Só não falem com o Artur, ele sabe que não pode contar de forma alguma a história da torrada".

1 comentário:

maria disse...

Hoje li esta história num artigo do P2:
"Eddie era visto pelas mulheres como alguém que temia compromissos. Está casado com Noriko há 12 anos, têm dois filhos. Quando se conheceram, ela quase não falava inglês e ele não percebia uma palavra de japonês.
'Acho que foi por não podermos falar que tudo isto se tornou possível. A Noriko e eu tivemos de arranjar outras maneiras de demonstrar quanto nos queríamos. Cozinhávamos muito um para o outro, dávamos banho um ao outro. Eu lavava-lhe a cabeça. Íamos a exposições de arte. Não era que não comunicássemos; só não falávamos.'"