quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Persianas

Durante anos criou vários mundos paralelos na sua cabeça. Um deles tinha países e num desses países as pessoas eram transparentes. Havia uma ou outra excepção. Há sempre. Quando as pessoas faziam a digestão fechavam as cortinas, por exemplo. A linguagem seguia o mesmo registo. E o resultado era avassalador. Tornava-se contagiante ouvir o mais sórdido e o mais apaixonante por um motivo pequenino. Dizia-se tudo, verbalizava-se cada inquietação e por isso não existiam problemas de memória. Não se guardavam mágoas. As dúvidas disparavam na ocasião e não cresciam. As declarações de amor tinham muitas partes desagradáveis lá pelo meio. Quase não se faziam conversas de circunstância. O mais parecido que detectou com isso foi: "As tuas persianas estão a ficar mais fechadas". Ao que ela respondeu: "Estou a pensar no Rui, desculpa!"

3 comentários:

Anónimo disse...

N' As cidades invisíveis do Calvino há uma cidade subterrânea onde tudo é o inverso da cidade lá de cima... é assim ou estou toda baralhada? Então: a transparência não precisa do mistério:)?

Anónimo disse...

Afinal estava mesmo baralhada. As Eusápias do Calvino são uma cópia fiel uma da outra, mas numa vivem os vivos, na outra os mortos. A memória é uma coisa estranha. Foi o que me fez lembrar a tua história. Quanto à transparência, não é simples...

Anónimo disse...

Ai não gosto lá muito desse Mundo...
Maravilhosa