domingo, 16 de setembro de 2007

Homem radar

Conheceram-se num carro comercial. Por acaso, o amigo comum teve de os juntar là atrás. Tiveram que se tocar por causa dos solavancos. Poderá pensar-se que se a viagem não tivesse ocorrido naquela estrada cheia buracos, de altos e baixos, poderiam nunca se ter enrolado daquela maneira. Dormiram na mesma cama121 dias seguidos. Gastaram muitos lençois. Clara renovou várias vezes a roupa da cama. Contaram um com outro vai para mais de dois anos. Com o namorado seguinte, logo ao segundo encontro, Clara combinou encontrar-se, de carro, na terceira cortada da avenida. Estariam os dois nas suas viaturas para depois fazerem caminho. Clara iria à frente porque ela conhecia um descampado perto. Fizeram o caminho sempre a acelerar. Clara foi a culpada. Até ela se surpreendeu com a sua atitude de jovem inconsequente. Encontraram-se várias vezes com a mesma metodologia. Acelerar era o sinal de partida. Clara já andava preocupada com o gosto que ia ganhando pela velocidade O seu homem radar veio depois. João não agradava a nenhuma das suas amigas, mas dava-lhe uma tranquilidade fora do comum. O seu lado privado era uma surpresa tão agradável que deu por si a pensar que o queria sem ninguém à volta. Socialmente, ele era um desastre. Corava, não dizia nada de jeito e chegou a parecer tolo num jantar por ser o único a não perceber uma piada óbvia. Chegava a ser uma aflição vê-lo enrascado. Entre paredes, estava ali outra pessoa, o seu João. Solto, criativo, e muito atraente. Essas coisas saltam cá para fora. O seu bem-estar combateu a ansiedade do trabalho e mais do que isso, derrotou-a. Os colegas diziam: "Clara está muito mais calma". Assim viveram nove meses. Não deu para mais. João comprou um carro e deixou de andar a pé com ela. Clara começou a ressacar da falta dos amigos. Só as histórias que eles contavam não chegavam.

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