segunda-feira, 10 de setembro de 2007

A torre gémea

A morte é um roubo brutal. Arrancou-me um braço à força. Deu-me uma tareia. Cada músculo doeu isoladamente. Deixou-me o cérebro bloqueado, sem reacção. Hoje identifico facilmente quem a viu por perto. O olhar é profundamente vazio. Caiu num poço. Tudo se transforma. Tem outro ângulo. Esta é a visão egoísta do espectador. Egoísta, egoísta. O mais grave é o desaparecimento da face da terra. Sem volta. Quem fica é sempre egoísta. Entretem-se a enganar a dor insuportável. Será o instinto de sobrevivência a dar de si? Uma das amigas da minha avó, quando foi vê-la ao caixão, descontrolou-se e, num pranto, disse: "Lá vais tu amiga com a minha caixa de segredos". Prometi à minha avó que um dia escrevia um romance, como ela gostava de dizer, sobre a sua vida. Nunca o fiz. O mais certo é que nunca o farei. Guardei as histórias. Vou-me lembrando delas. Talvez este seja o romance à minha escala! Ela via sempre o que se passava de uma forma inédita. Não dizia o óbvio. Não fazia o óbvio. Parecia que compreendia qualquer coisa que lhe contassem e tinha a intuição do avesso das pessoas. Vinha-lhe daí o humor. Levou consigo muitas histórias alheias. Há um ano atrás ainda estava viva.

Sem comentários: