terça-feira, 28 de agosto de 2007

No autocarro

Josefina gostava dos solavancos. Quando os autocarros deslizarem pela estrada deixarão de dar o mesmo gozo. Entretinha a sua mente com pensamentos infantis do género quando a entrada de uma senhora desembaraçada veio dominar os acontecimentos. Falava alto e dizia à colega em brasileiro: "Para o ano vou pedir seis meses de férias. Sim, sim, um mês a que tenho direito e mais cinco para me fazer à vida. Claro que vou para o Brasil, aqui não se passa nada". A colega discreta, bem portuguesinha, de olhos sempre postos para baixo, porque é no chão que afunda as desgraças, respondeu: "Seis meses, não podes. Quando voltares não tens emprego". Não a deixou terminar, interrompeu-a para dizer: "Posso, posso, já fiz isto há dois anos e fez-me muito bem. O resto do tempo foi para arranjar namorado e fui ficando até me fartar". Ninguém se mexia no autocarro mas todos os passageiros estavam com os ouvidos alerta. "Ah", voltou à carga a brasileira, "é verdade, aqui também acontecem coisas, sabias que no piso de baixo o inquilino matou o senhorio. Eu quase que via tudo. Vi-o sair mais tarde. O desgraçado não tinha dinheiro para pagar a renda e descontrolou-se. Às vezes apetece mesmo matar o senhorio, não é?". A portuguesinha ficou espantada: "Não soube de nada, quando foi isso?". "Há 15 dias. O homem ainda não foi enterrado porque estão à espera que o filho venha da Austrália". Os passageiros do autocarro das 21 horas pensaram que poderiam estar diante de uma louca. Josefina teve pena que a senhora saísse logo na paragem seguinte. Ainda lhe faltavam mais seis.

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