segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Declaração amigável

Quando se sentia zangada com a vida, entre as muitas coisas que gostava de fazer, estava uma ida à oficina preferida para lavar o carro. Adorava lavagens automáticas. Naquele dia, Josefina estava de ressaca (e ela sabia, tinha concluído de uma conversa com uma amiga, que no dia seguinte era uma condutora mais perigosa do que no dia em que se enchia de copos) e lá foi. Deixou-se levar pelo automatismo da máquina, assistiu com prazer à invasão das gotas de água no pára-brisas, extasiou-se com a sucção do aspirador, e saiu da garagem com o seu volvo mais lavadinho. Poucos minutos depois, ainda estava a escolher o tema número 11, o ideal para a banda sonora daquele momento, quando ouviu um estrondo. Bateram-lhe no carro. Ela estava bem, pensou em primeiro lugar. Quando saiu, veio ao seu encontro uma figura de pijama e chinelos, com uma barba rala. Ele deu-se como culpado. Num ápide, como se percebesse bastante do assunto, apareceu com uma declaração amigável. Preencheram os papéis, trocaram números de telefone e ela não resistiu a perguntar-lhe: "Passa-se alguma coisa de especial, por causa do pijama... dos chinelos?". De repente, como que desarmado, Miguel, entretanto devidamente apresentado, responde: "Ia só passar na rua da minha ex-namorada".

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