segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Desequilíbrios

Mudou o caminho que fazia e enfiou-se no jardim. Era denso e havia o receio de ser assaltada, mas naquele dia a hipótese não se apresentava como problema. Andou sem parar até encontrar um lago. Sentou-se então no chão a olhar para a água que pouco se movia e pensou no filme que tinha visto na noite anterior: "Imitação de vida", de Douglas Sirk. A protagonista cedeu nos momentos mais determinantes na sua vida e fê-lo para alcançar resultados a longo prazo, que colocaram em sério risco uma história de amor rara. Com empenho fora do comum, conseguiu chegar onde queria profissionalmente. E na altura certa, puxou para si aquele que desejava ter por perto o resto dos seus dias. Foi por um triz que ele não se deixou levar por outra. Mas o moreno tinha defeitos e o filme também os mostra. Chegou a ser violento com ela. Revelou-se machista em momentos cruciais. Cada vez mais loura, à medida que subia na vida, também percebeu que as qualidades dele eram diametralmente opostas à estupidez. Preocupava-se com ela incondicionalmente. Estava sempre lá quando ela precisava, embora não fosse cachorrinho. Sem sexo e poucos beijos, também por ele ser um pouco desajeitado, certamente, o filme mostrava outra relação de amor tão desequilibrada quanto fantástica. Uma amizade que nasceu na praia num dia à Carcavelos em tarde de domingo, no Verão, tornou-se um elo resistente ao triturar do tempo. Embora uma assumi-se ser a serva, havia mais do que uma relação de vassalagem entre as duas mulheres. Por vezes, durante longos períodos, eram distantes e não falavam de intimidades. Numa só conversa, curta, porém, voltavam ao ponto anterior de empatia total. Facilmente o faziam. Ia pensando nas várias histórias do filme e no que não relacionou de imediato, quando alguém manda uma pedra para o lago. Spalsh. Virou-se, a medo, para ver quem seria. Não estava lá ninguém. Levantou-se e deu por si a dizer em alta voz: gosto mais do filme hoje do que gostei ontem. Ah, a Felismina também é assim: apercebe-se que afinal gosta mais dos namorados depois.

1 comentário:

Anónimo disse...

Maravilhoso...no inicio estava a pensar, vou levar seca com este filme, mas depois a história tomou conta de mim, e à medida que as histórias paralelas daquelas personagens evoluiam eu ia evoluindo também até chegar ao ponto de me estar quase a passar, parecia que estava a viver aquilo, pois apesar de ser ficção, as emoções humanas não são ficção...todos nós passamos pelas dúvidas, angustia, fragilidade,desespero, alegria, paixão, perdas que nos dilaceram, parece que nos passa um terramoto em cima, e depois alcançamos a
serenidade...e crescemos.
Maravilhosa