segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Que droga!

"Deixei-me de substâncias, estou viciada na lucidez". Foi por causa de uma frase destas que Mariana começou a prestar atenção à conversa que se passava ao lado, na mesa vizinha do café. A rapariga de rastas no cabelo e camisola lacoste prometia mais revelações fora do comum. De voz firme, contava que estava farta das distracções: de se deixar levar pelos pensamentos que lhe davam um gozo que não ia além dos 20 minutos. Chegava a pensar que conseguia o que mais queria fazendo exercícios de concentração, fixando, por exemplo, o olhar no ponto mais alto de um prédio ou então seguindo o percurso de um avião que rasga os céus. Se o céu estava zul forte e o avião deixava um rasto recto e bem desenhado, acreditava que o dia lhe traria brindes. Durante anos, pediu aos aviões que lhe trouxessem isto daqui e acolá. Como se com eles, chegassem as poções milagrosas. Era tudo para entreter a mente. Tudo valia desde que entretesse. Não conseguiu aguentar o Rui muito tempo por ele ser muito materialista. Ele olhava para o que rodeava com régua e esquadro, já para não falar nos números que atribuía a tudo. A ela deu-lhe 19, vá lá. Mas às vezes dizia-lhe que ela estava um sete. O cinco era reservado para os dias da tensão pré-menstrual. Mariana ouvia o mais atentamente possível. Estava vento e tinha de adivinhar o resto de algumas frases. A rapariga de rastas no cabelo e camisola lacoste contava à amiga que estava agora viciada na lucidez. Isso é que era contra corrente! "Vejo os outros mais perto de mim, apercebo-me melhor como são, do que têm falta", disse. "Eu? Eu também vejo claramente o que preciso, como se o corpo me fosse dizendo. O que faço é escutá-lo".

1 comentário:

Anónimo disse...

Já te tinha dito que és muito perspicaz? Não? Distraí-me, de certeza!