terça-feira, 23 de outubro de 2007

Um café bem quente

Quando se é muito amado durante a infância e adolescência torna-se difícil ficar satisfeito com a meia-dose que pode vir com os amores seguintes. O contrário também sucede. E é igualmente mau. A Josefa não sabia o que era o amor incondicional. Sempre se contentou com pouco. Habituou-se a ficar contente com um cafezinho quente pela manhã, com o piropo do senhor da mercearia - acho que só continuava a ir lá por causa disso - com o roncar do Salvador e as cócegas que este lhe fazia na cama. Se ressonava era porque dormia tranquilamente na sua companhia. Podia ser um bom sinal. Sem dramas. Se ele fazia o jantar, Josefa apontava que lhe estava a dever uma massagem aplicada de hora e meia. Daquelas que até deixam os músculos dos braços a doer de quem a faz. Achou que ele gostava o suficiente dela para avançarem para um filho. Mas ele surpreendeu-a pedindo-lhe que se desfizesse dele. Disse-lhe que ela não percebia nada de amor e que não era sensato darem esse passo. Josefa propôs então que se separassem. Ele não quis. Queria estar com ela, mas não queria esse tipo de ligação que alguns casais têm. Não queria nada que se parecesse com um final feliz. Odiava palmas e finais felizes. Saía sempre antes da sessão do cinema terminar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Quem sabe um dia o Salvador fica até ao fim da sessão e tem uma revelação, um abanão, qualquer coisa, não?