domingo, 23 de setembro de 2007

A nave

Diana era uma miúda certinha. Contou que ficava nervosa sempre que qualquer coisa não estava no sítio. A sua mala de viagem era disso exemplo. No meio de outra conversa, disse que sempre usou roupa à medida, justa ao corpo. Já Francisco tinha o perfil do intelectual. Exibia um olhar de mergulho, de quem está sempre com mais do que uma ideia, uma preocupação na cabeça, de quem procura um significado novo para cada cabelo fora do sítio. Tinham pouca coisa em comum. Juntamente com Rita, conheceram-se numa viagem de trabalho. E depois de três dias num congresso, pode dizer-se que conheciam mais uns dos outros do que muitos amigos de copos. Falaram muito deles próprios. Aconteceu ser assim. A cidade de Nápoles convidada a isso. Os outros médicos, do México ao Japão, eram pouco dados ao diálogo. No último dia, Diana revelou, sem rodeios, que, inicialmente, tinha tido a impressão que Francisco era alguém que andava sempre à procura da nave. Nunca estava bem em lugar nenhum e mostrava-se pronto para partir. Francisco achou que Diana era uma queque submissa a uma vida pré-definida pelos padrões sociais, de que é exemplo a ideia: sem um filho estás fora do baralho normal. Rita ficou com dores de barriga de tanto rir da história da nave. Disse, por fim, que lembraria de cada um deles pormenores: de Diana, o facto de se queixar do cheiro do namorido (expressão brasileira: namorado + marido), ela contou que chegou a pedir-lhe para colocar o perfume só quando saísse de casa, mas não exigiu que ele mudasse de marca; de Francisco, o olhar triste com que contemplava namorados em sintonia, que se beijavam e abraçavam na rua. Eles não gostaram de saber aquilo. Rita cortou, então, o rumo da conversa, perguntando ao Francisco como seria a sua nave. Depois, na viagem de avião, quando estava literalmente nas nuvens, descreveu ao detalhe, em letra pequenina, no cartão de embarque, como seria a sua.

3 comentários:

Anónimo disse...

Acho que simpatizo com o teu Francisco... acontece-me andar à procura da nave, de vez em quando:)...

Anónimo disse...

Gostei da história
Maravilhosa

Anónimo disse...

Ahahahahahhahahahah