sábado, 8 de setembro de 2007

Guardanapo

Sempre achou que quem toca muito nas pessoas está carente. Que quem fala muito de sexo tem falta dele. Que quem está sempre a telefonar não sabe estar sozinho. Que quem só fala de si nunca se vai preocupar com os outros. Que os amigos ficam melhor com o tempo. Que uma boa conversa supera qualquer concerto ou filme. Que quem tem boas noites tem fracos dias. Que as pessoas normais são as mais perigosas. Escrevia as frases num guardanapo enquanto esperava pela Clara. Ela estava atrasada. Escrevia apenas para entretar a espera. Quando esta chegou, como se de uma reunião de negócios se tratasse, passaram aos assuntos do dia. Falaram dos problemas da Margarida e do Paulo, do casamento do Luís, dos discos que queriam comprar, do dinheiro que não chega para pagar o seguro do carro, da empregada de limpeza teimosa, das férias adiadas. Raquel não quis tocar no que a incomodava durante a conversa. Clara percebeu. Falaram, falaram do mais óbvio, escorregando entre assuntos. Voltaram a rir do que a Maria lhes tinha contado no outro dia. Quando Raquel ficou de novo sozinha, voltou a pensar no que a incomodava e lembrou-se do guardanapo. Ficou lá na esplanada? Voltou atrás. Já nem se lembrava bem do que tinha escrito, mas, naquele momento, pareceu-lhe importante recuperá-lo. Subiu a rua. Afinal, ainda lá estava! À medida que se aproximava, Raquel assistiu à cena: uma senhora leu-o e, de seguida, limpou o nariz com ele.

2 comentários:

Anónimo disse...

Tão bom....

Anónimo disse...

Parabéns, ainda não tinha lido....
Maravilhosa