sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Ao que chegámos

Carolina levantou-se mais cedo do que era costume. Não conseguia abrir o olho da esquerda na totalidade. Estava colado ao sono. O da direita bastou-lhe para se orientar minimamente. Enfiou a escova de dentes na boca, esfregou os dentes com as forças que tinha. Eram poucas. Tinha prometido que ia à feira nesse dia e não podia falhar. Estava um dia rijo de Verão e valia a pena ver com era. E foi muito bom. Enquanto descia no carro velho entre os montes, através da estrada magra em largura, foram passando pela sua cabeça pensamentos pouco organizados. A sua vida estava estreita como aquele caminho que só dava para um carro. Era assim que se via: sem bermas por onde poder fugir. Lá em baixo, no meio do largo local onde se situava a feira, várias coisas aconteceram. Quem mais lhe chamou a atenção foram os ciganos: o Acácio que conhecia desde tempos da escola e que nunca mais vira; um miúdo de três anos arrebitado e a avó de preto quase de burka. Ela tentava vender a todo o custo as camisas aos quadrados dizendo: "Não tenha vergonha de comprar barato". Pelos vistos, tinham. As camisas não tinham saída. O miúdo não parou quieto o tempo todo. Quando um carro de mão tocou na tenda da sua família, barafustou como gente grande sem travão social: "Ai se te apanhasse em Espanha, nem sabes o que te fazia, limpava-te logo". Os pais e os avós repreenderam-no mas de forma pouca assertiva. Acharam graça como toda a gente que assistia. O melhor momento estava para vir. Quando passou um burro de pêlo escuro, castanho brilhante, o puto reagiu logo: "Avó, avó, um burro, um burro!". A senhora de vestes pretas levantou as mãos para o alto e gritou com voz de quem fumou (não deve ter fumado, mas o seu timbre dava sinais disso): "Ao que chegámos, ao que chegámos, até um cigano fica surpreendido por ver um burro".

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu por aqui continuo a babar!!!