terça-feira, 25 de setembro de 2012

a fotografia

O Jorge vive num quarto no Martim Moniz, um quarto com vista e uma pequena varanda, muito arejado, disse mais do que uma vez. Há décadas trabalhou ao pé da Avenida de Paris, foi o local onde trabalhou mais tempo e habituou-se às ruas e aos passeios largos. Os que são da sua geração conhece-os bem. Hoje é pedinte na mesma rua. Escolheu a entrada de um prédio próximo ao pingo doce e ali fica, cumprindo horário, como se trabalhasse no escritório do senhor Rosário, ainda fosse o estafeta de serviço. O dinheiro da pensão dá-lhe para pagar o quarto e comer uma sopa. O que lhe dão os amigos é para os extras, uma bifana, um pastel de bacalhau. É invejado pelos sem abrigo da zona. Fala com quem passa e recebe apertos de mão, além de moedas. Jorge tem família. Uma irmã, em Inglaterra, que não vê há 40 anos. Foi e não voltou. Este verão recebeu uma carta dela. Dizia-lhe que o vinha visitar e que ia trazer o sobrinho, acabado de formar. "Tenho um sobrinho médico", disse, com orgulho, enquanto encostava a mão ao peito. Jorge tem uns belos olhos azuis e apresenta-se aprumadinho. Quando ele desapareceu há um mês, a sua ausência notou-se. Esteve internado, no Santa Maria."Foram muito atenciosos comigo". A irmã, afinal, não veio. "Ela queria vir amparar-me, mas não pôde vir", disse. "Mandou-me uma fotografia".

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