sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

miami vice

Júlia apaixonava-se sempre por quem estava longe. Há dois anos, lembrou-se do Manel, do seu namorado dos 14 anos. Soube, por acaso, que ele estava na Suiça e lá foi ela passar uma semana aos Alpes para o ver sem cabelo e os ombros caídos. Alimentaram uma relação à distância durante nove meses. Alimentou-a ela, como se de um bebé se tratasse, com palavras a cada três horas. A depressão dele não era passageira, e o esforço dela foi em vão. Manel era gótico por dentro. Depois de três meses de luto, voltou ao Facebook e no regresso encontrou um pedido de amizade do Peter. Nem queria acreditar. Vivia nos Estados Unidos, era professor primário e corria. As fotos do perfil mostravam-no a correr nos cenários mais diversos. Sempre a correr e nem sempre com roupa adequada. Algumas t-shirts mais pareciam roupa anterior gasta pelo tempo. Mensagem puxa mensagem. Deram o passo seguinte pelo Skype. Júlia explodia de nervosismo por dentro, as veias latejavam quando se viram pela primeira através da câmara do computador. Viveram um amor curtinho de Verão há muitos anos atrás. Aos 16, 17. Davam-se bem via net e partilhavam tudo, até os cozinhados. Ela mostrava-lhe a sopa que estava a fazer. E o Peter as massas. A alimentação dele era à base de massas. Um dia, o entusiamo descambou para um: "Mostra aí!". Ela não gostou e zangou-se. Cortaram. Desligaram-se da net. Para Júlia, "sexting" era uma coisa bizarra para adolescentes problemáticos. Não ia tirar a camisola para uma câmara. "Ele só queria dormir com aquela imagem na cabeça?". Foi o que ele lhe disse e aquilo não lhe caiu bem. Júlia andou abatida um mês. Mas não é pessoa para se render. Viu uma viagem barata para Miami no dia 1 de Janeiro e comprou-a. Não tinha dinheiro para ela, e era uma loucura o que estava a fazer, sabia-o bem. Mais um pagamento a crédito. Já mandou uma mensagem ao Peter a dizer que ia no dia tal e que ia ficar no sítio X. E ele não respondeu. Não disse nada. Está caladinho. Ela vai na mesma. Vai atravessar o Atlântico. "Não é por causa dele", dizia-me. "Preciso de sair daqui". Esta tarde, Júlia comprou uma camisola nova.

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