quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Homem excel

José adorava folhas de cálculo. Duas semanas depois de começarmos a ficar em casa um do outro, levou para o sofá a nossa primeira primeira página excel. Estava metade preenchida e metade por preencher. Ele precisava de saber o quanto achava eu ser o limite a poder pagar por um jantar. Meio a brincar, fui dando palpites. Aproveitei para olhar para a vida que fazia em números. Descobri que gastava muito em prendas, jantares, concertos, e que só poupava nos detergentes. Se são para lavar o chão, para que é preciso marcas gourmet? As tabelas por preencher eram um entretenimento. Estabelecia-se metas para custos a fazer com o fim de semana, com o feriado, o mês. No início, tinha a sua graça. Já tinha tido um namorado que passava horas a jogar "aos países", como lhe chamava, uma espécie de continuação da segunda guerra mundial, mas como novas fronteiras, regimes políticos inventados. O pouco que ele me explicava daquilo era impressionante. Não me podia contar muito por ser um jogo apenas partilhado com o irmão. Um segredo deles. Fui a sua primeira namorada a saber daquele outro planeta. Era uma prova de confiança. Nunca o contei a ninguém. Bem, entretanto o Zé começou a ficar paranóico com os valores das coisas e um dia não aguentei mais. Perguntei-lhe como seria a minha pessoa transformada numa folha de excel e ele, animado, disse-me que já me tinha traçado o perfil. De repente, veio o papel e estava ali reduzida a números. Tinha a minha altura, a minha cintura, a minha copa e costas, tamanho de pernas e braços e os meus seis dedos em cada um dos pés.

Sem comentários: