segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Começar ao contrário

O mais normal é conhecer alguém a partir do círculo de amigos. Começar aí uma empatia que pode crescer para contornos amorosos. Luísa, porém, nunca teve essa experiência. Com o António, por exemplo, começou ao contrário. "Ao contrário?", perguntou, visivelmente interessada na resposta, Alice. "Sim", disse, abanando a cabeça de cima para baixo, enquanto fazia um sorriso Mona Lisa."Conheci-o na Gulbenkian. Ele pediu-me uma caneta e acabei por lhe emprestar uma das minhas bic de estimação, das amarelas de escrita fina. Depois, ele mandou-me um mail porque descobriu que eu era jornalista, e os endereços estão lá, a par da assinatura. Durante seis meses, fomos trocando dicas de concertos e sobretudo sugestões acerca dos restaurantes e esplanadas mais agradáveis da cidade. Não eram, no início, contactos muito frequentes, mas foram-se tornando. Até aqui tudo muito leve, dentro de uma linha clara de amizade. Até que um dia ele me disse que estava a pensar mudar-se. Ia deixar Lisboa. Ia partir. Aquilo mexeu comigo. E ele começou a irritar-me. O que me ia dizendo, parecia-me tão desligado, pois não implicava em nada a existência da minha pessoa. Estava como que a reclamar por ele não se preocupar comigo, vejo agora. Sei que a preocupação é o primeiro sinal de se gostar honestamente de alguém. Esforçava-me para falar calmamente com ele, como amiga, mas descobri, de repente, que estava chateada com o facto de ele partir, de ele se ir embora. Combinei um jantar. Bem, só ao terceiro convite consegui que ele não o desmarcasse. O encontro foi feito de conversas banais e alguma risota. O vinho maduro tinto ajudou. Quando, a caminho de casa, veio à conversa a despedida, discutimos. Finalmente. Foi um alívio. Em síntese, disse-lhe que tinha começado a gostar mais dele do que era suposto. Ele disse-me que eu sempre tinha dado sinais de querer ficar pela amizade. Por fim, ele disse-me que também não valia a pena. Se estavam a discutir, não valia a pena preocuparam-se um com o outro. Aquilo atingiu-me como um raio". E então, então, ele foi embora?, interrompeu a Alice. "Claro. Mas só se aguentou três meses fora, quando voltou de Londres, acabámos por nos encontrar na Praça Luís de Camões. Andamos desde aí. Já lá vão três anos. Cada vez nos entendemos melhor. Estranhamente, agora que o conto, é a minha relação mais tranquila".

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